Fonte: http://www.educare.pt/
Por: Andreia Lobo
Poucos estudos se têm
debruçado acerca do percurso escolar das crianças disléxicas. E menos ainda
relatam as dificuldades enfrentadas por quem alcança o ensino superior.
"Algumas crianças,
ainda que muito inteligentes, não passam da tarefa de aprender a ler à de ler
para aprender." Entender a dislexia, assegura Cláudia Coelho, psicóloga,
implica perceber como o cérebro lê. "Não se trata de uma capacidade
sensorial, mas sim cognitiva." As dificuldades de aprendizagem que a
caracterizam são de origem neurobiológica. Em 2003, a Associação Internacional
de Dislexia definiu-a como sendo "inesperada em relação a outras
capacidades cognitivas e à existência de uma instrução adequada na sala de
aula".
Apesar da investigação
produzida na área da dislexia ter mapeado as suas origens, faltam estudos sobre
as suas consequências pessoais, profissionais e sociais. Foi a pensar nisso que
Cláudia Coelho inquiriu 41 pais sobre o seu educando disléxico e também
ex-alunos com a mesma problemática de dois agrupamentos de Viseu.
Apresentado no encontro
"A Dislexia em Tese" realizado no passado sábado, na Escola Superior
de Educação Paula Franssinetti, no Porto, o estudo permitiu um retrato fiel
sobre a situação atual dos alunos e ex-alunos. Dos 33 alunos que permanecem na
escola, 48% frequentam o ensino secundário, 33% estão no 3.º ciclo e 9% no
ensino superior. Dos oito alunos que abandonaram os estudos, 87% fizeram-no no
3.º ciclo.
A sinalização precoce
da dislexia do aluno tem fortes implicações no seu futuro escolar e pessoal. O
estudo de Cláudia Coelho mostrou que 46% dos alunos foram sinalizados logo no
1.º ciclo, 34% no 2.º ciclo e 15% apenas no 3.º ciclo. Em cada um dos ciclos, a
maioria dos casos foi diagnosticada no 3.º, 5.º e 7º anos.
A intervenção realizada
pela escola foi outra das vertentes analisadas. Segundo as respostas dos pais,
95% dos alunos beneficiaram de apoio educativo. No entanto, 59% não sabem se
este apoio foi feito ou não por um professor da Educação Especial, 29% afirmam
que sim e 12% que não. Aliado ao apoio educativo, a investigadora concluiu que
49% dos alunos não beneficiavam de medidas de educação especial, 44% sim e 7%
dos pais não sabia dizer. Concretamente sobre que tipo de medidas eram essas,
44% dos alunos realizavam testes diferentes, 56% não; 71% tinham mais tempo
para fazer os testes, 29% não beneficiavam desta medida.
O estudo permitiu ainda
concluir que a tristeza e insegurança andam de mãos dadas com a dislexia. A
maioria dos alunos sente dificuldades ao nível da leitura e da escrita. E o
modo como afetavam o seu percurso escolar, pessoal e profissional gera
sentimentos de vergonha e revolta. Apesar disso, 12 dos alunos manifestaram
vontade de prosseguir estudos ao nível superior.
Diana Silva teve a
mesma vontade e conseguiu. A dislexia foi-lhe diagnosticada apenas no 5.º ano.
E o seu percurso escolar teve os mesmos contornos penosos que outros tantos
disléxicos experimentam. Sofreu de depressão, lutou contra a própria vontade de
não ir à escola. Os pais assistiram quase impotentes a tudo, foram mal
aconselhados pelos professores da filha. Até finalmente Diana foi considerada
elegível para a Educação Especial. Hoje, é estudante do curso de Criminologia,
da Universidade Lusíada, no Porto.
A frequência com que
alunos disléxicos chegavam às suas turmas, motivou Catarina Mangas, a
interessar-se pelos seus percursos académicos. O estudo da docente na Escola
Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria
(IPL) foi também apresentado durante o encontro nacional "Dislexia em
Tese"."A pesquisa em adultos é escassa, apesar dos casos terem vindo
a aumentar", assegura. Só a nível nacional, em 2009, num total de 816
alunos sinalizados com necessidades educativas especiais, a dislexia afetava
73.
Num nível onde a
leitura é vital para o sucesso académico, Catarina Mangas sublinhou a
importância da intervenção e do esclarecimento do corpo docente sobre a
problemática. Pelo contrário, a sua investigação permitiu concluir que "os
professores têm uma noção muito geral sobre o que é a dislexia." Entre os
entrevistados, nenhum referiu o uso de estratégias diferenciadas para estes
alunos.
Contrariando a ideia
generalizada que os disléxicos prosseguem estudos nas áreas de maior
criatividade, Catarina Mangas não encontrou prevalência de alunos na área das
artes, "mas antes espalhados por vários cursos, incluindo nos de
educação". Na maioria dos inquiridos a sinalização da dislexia foi feita
tardiamente, apenas no ensino superior. As razões? "Testes inconclusivos,
ou uma família que não ajudou no diagnóstico porque acreditavam que os filhos
poderiam ultrapassar as dificuldades..."
Seja qual forem as
razões, "os alunos identificam as suas dificuldades nos outros colegas,
mas preferem manter a sua dislexia no silêncio", constata a docente.
"Conseguem evitar ao máximo ler e escrever e utilizam não as palavras que
querem mas os sinónimos onde não têm problemas." Não sendo leitores
fluentes, os alunos acumulam grande nervosismo em momentos de avaliação, sendo
que o seu insucesso académico está diretamente relacionado com a dislexia.
Uma legislação que
regule a passagem dos disléxicos pelas universidades e politécnicos. A
transferência dos processos individuais relativos às dificuldades e às medidas
educativas de que beneficiam do ensino secundário para o superior. E mais tempo
para a execução dos exames. São medidas que os participantes no estudo gostariam
de ver implementadas.
Aumentar o respeito por
estes alunos implica conhecer melhor a problemática, alerta Catarina Mangas:
"A escola inclusiva também deve ser reconhecida no ensino superior".
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